Vida Moderna

Se não tenho boa memória, a imaginação compensa isso fartamente. O fato a seguir me foi relatado há uns meses e só agora tive a ideia de postar.

Portanto, substituindo algum detalhe que foi esquecido (ou que deverá ser omitido, por razões óbvias), darei lugar ao meu lado "O Fantástico Mundo de Bob."

Como qualquer mulher que trabalha fora, *Eduarda tinha que se transformar em mil para atender a todas as expectativas daqueles que a cercavam: chefe, filhos, colegas, marido e o lar. Era tanto compromisso, tanta falta de tempo, que muitas vezes era fácil que ela esquecesse de si mesma.

O cansaço acumulado refletia muito mais em casa do que na vida profissional, era verdade. Mas um dia, ouvindo uma colega do trabalho mencionar um tal milagroso remedinho que se comprava na farmácia de manipulação, seus olhos brilharam e ela cobiçou imediata e anonimamente essa poção mágica. Em pleno sabado de manhã, lá foi nossa heroína rumo à farmácia.

Vou procurar uma balconista-mulher-feminina - pensou - (o pleonasmo é proposital, para ter certeza que seria atendida por uma semelhante). 

Chegando lá, interpelou com tom de voz baixinho a moça de branco, que ela imaginou ser a farmacêutica responsável, mas que naquele momento assumia a função de Nossa Senhora Protetora das mulheres modernas em desespero:

 - Sabe o que é, amiga,  - desabafou, já querendo forçar uma cumplicidade - é que você sabe, né, a vida moderna, o stress, o cansaço, a crise mundial, o desmatamento da amazônia, o aquecimento global, a matança das baleias no oceano... isso tudo tem me afetado intimamente

 - Como assim, senhora? Poderia ser mais objetiva? Quer um guaraná em pó pra dar mais energia? Gingko biloba pra memória? Ou quem sabe passiflora? Cápsulas de flor de maracujá para dormir melhor e ficar calmiiinha?

 - Não, é que na verdade queria ficar assim, tipo, sabe como é, vida de casada, a gente acaba caindo na rotina... queria algo como... uma coisa que me deixasse mais animada em certo período do dia, ou melhor, da noite.

- Ah, entendi! Por que não disse antes? Quer um estimulante natural que a ajude a cumprir com os deveres matrimoniais!!! - disse a atendente, que se sentia vitoriosa por poder captar o desejo da cliente.

 - Sim!!! - Respondeu Eduarda, aliviada por não ter que entrar em maiores detalhes com uma desconhecida.

Nisso, a moça virou-se, Eduarda pensou que ela já viria trazendo na mão o pote reluzente da solução para todos os problemas matrimoniais, daí seria só digitar a senha do cartão de crédito, afinal nem importava o preço, ela queria era sair logo dali com sua poção.

Nisso, eis que tocam os clarins, aparece um homem de branco, caminhando lentamente na direção de Eduarda. Não, a moça de antes não era farmacêutica, era só atendente. Eduarda nem lembrou de olhar o crachá da moça.

Como assim? Vou ter que dar detalhes da minha vida íntima (ou falta dela), para um homem dez anos mais novo? E ainda no balcão da farmácia? E os direitos humanos, o Green Peace, onde está quando mais precisamos? E a lei Maria da Penha (oi?) ? - pensou ela.

Nisso o rapaz pergunta a uma Eduarda completamente sem graça:

 - O que a senhora deseja?

- Um baton de cacau.

E foi-se embora cuidar dos lábios ressecados, imaginando como iria tratar de sua modernidade por telefone e fazer o pedido do remédio ao dito cujo farmacêutico- homem-masculino

*Nominho trocado, né? Óbvio.