"Conheci *Laura em uma festa de confraternização na escola onde trabalho. Por coincidência era comemorado meu aniversário também, em 2003.
A coordenadora da instituição onde Laura estava temporariamente abrigada foi convidada para participar da nossa confraternização, por ter sido já professora na escola. Ela levou consigo cinco crianças, e junto estava aquela que seria minha filha e eu nem imaginava.
Neste dia meu esposo se apaixonou à primeira vista por aquela criança cheia de vida, muito extrovertida e esperta. Perguntei à coordenadora discretamente as histórias de vida de cada uma daquelas crianças, e embora a história dela não fosse a mais triste, foi a que mais nos chamou a atenção.
Passaram os meses sem que se falasse mais nisso. Chegou fevereiro, início do ano letivo, e quem aparece na escola para se matricular? Laura. E ainda no mesmo turno que eu trabalhava. Outra coincidência ou nossos anjos nos mostrando o caminho?
Chegando em casa contei ao meu esposo ele ficou super feliz com a noticia.
A Laura, embora estivesse na instituição(abrigo) há quase um ano, não estava em situação de adoção, estava abrigada provisoriamente, aguardando saber se o juiz determinaria a reinserção dela na família ou a desconstituição do poder familiar. Quando há desconstituição, ai sim a criança entra no cadastro de adoção, mas não era o caso dela.
Como a pequena era muito cativante, vivia sendo levada por famílias para passar o fim de semana em suas casas, e meu esposo sabendo disso me sugeriu que fizéssemos o mesmo. Minha primeira reação foi ficar receosa, afinal eu tinha um pensamento meio egoísta e não queria “pegar filhos dos outros pra criar”. Tínhamos três ou quatros anos de casados, e mesmo tendo dificuldades para engravidar, adoção para mim não era opção e achava que ainda era tempo de namorar e curtir o casamento.
Acabei sendo convencida por ele, e no meio da semana liguei no abrigo e pedi para passar um final de semana com a Laura, mas ela já tinha programação para os dois fins de semana seguintes. E depois foram acontecendo outros contratempos por conta dos compromissos com outras famílias e só conseguimos estar com ela mais de um mês depois da primeira tentativa.
Foi depois do Carnaval e me lembro de cada detalhe como se fosse hoje...
Nossa, foi uma alegria só! Meu esposo achou o máximo e meus pais amaram. Todos da família se apaixonaram por ela! Na época estava no auge aquela musiquinha " Trote da Eliane" ela imitava direitinho era o muito divertido.
Fomos à sorveteria, passeamos muito. Ela me chamava de tia, porque já chamava assim na escola onde eu trabalhava e ela estudava. Só ficou meio arisca com meu esposo, e ele, ao contrário, se apaixonou de vez e queria que ficássemos com ela todos os finais de semana. Depois de conversar com a coordenadora do abrigo acabou dando certo. Engraçado que na minha casa não tinha criança e nas outras casas que ela ia tinha, mas ela preferia ficar conosco.
Os dias e meses foram se passando e foi aumentando o laço afetivo. Já havia muito choro dela e nosso em todas as despedidas. Eu a pegava na sexta e na segunda ela já ia embora com o pessoal do abrigo, direto da aula. Era muito choro e todos na escola que presenciavam ficavam comovidos.
Teve um dia que foi mais marcante que os outros, essa cena nunca mais vai sair da minha memória: Chegou a hora de ir embora o motorista do abrigo foi buscá-la na sala de aula. Quando ela viu o motorista pediu a professora dela (que já sabia a trajetória toda da Laura e acompanhou tudo) que não a deixasse ir. Ela falava chorando aos gritos: “Tia não deixa eu ir embora eu não quero ir.... Quero ir pra casa da minha tia Ana, (lágrimas) não deixa... Não deixa!!!” Ela se agarrou na cortina da escola e a professora explicava a ela que ela tinha que ir porque era segunda-feira mas que sexta-feira ela voltaria então o motorista a levou. Ela chorava e me pedia que eu não deixasse que a levassem. Não teve quem não chorasse...
Naquele dia mesmo resolvi que tinha que lutar por ela. Eu vi seus olhos dizendo: “mamãe, não deixa eles me levarem”. Nunca, nunca mais vou esquecer disso.
Cheguei em casa chorando e contei tudo que havia acontecido ao meu esposo choramos juntos, e decidimos conversar com o juiz da infância e juventude. Marcamos o dia que ele atendia no Conselho Tutelar e pedimos a ele que ele nos desse uma autorização para que ela pudesse ficar feriado finais de semana e ferias apenas conosco. Ele explicou toda a vida pessoal e processual da Laura e deixou bem claro que ela não estava para adoção estava apenas no lar provisoriamente até que fosse decidido o destino dela. Ou seja, que não estava nos prometendo nada além das férias juntos. Ele nos atendeu e explicou que poderia haver laços entre ambos e isto não seria bom no caso de uma separação. O próprio juiz adorava a Laura. Ela era a criança que mais chamava atenção naquele momento no abrigo.
E assim foram os nossas dias, meses, sempre passando feriados e fins de semana conosco e voltando para o abrigo na segunda feira. Resolvemos entrar com processo de habilitação para adoção, porque se caso ela fosse para adoção, nós já estaríamos aptos a adotá-la. Nós lidávamos apenas com suposições, nada indicava que ela ia sequer para adoção e mesmo que fosse, não significava que seria adotada por nós, já que a fila de casais habilitados é grande. Mesmo assim, com tanta incerteza, estávamos decididos a lutar, pois já nos sentíamos os pais dela e ela a nossa filha.
No requerimento de adoção, na parte que conta as características da criança pretendida marcamos exatamente o perfil da Laura, para que desse certo. Tínhamos certeza que seria ela e não queríamos outra opção, só ela!
E o amor se estabeleceu de vez, ficando cada dia mais forte. Um dia conversamos com a ela e perguntamos se queria morar em nossa casa e ela rapidamente respondeu que sim.
Eu disse a ela: “então daqui por diante você poderá me chamar de mamãe e ao tio de papai, certo? Ela de forma simples respondeu que a mim ela chamava de mamãe “sem vergonha”, mas do tio ela tinha vergonha de chamar de papai. Achei engraçado. Nesse mesmo dia ela disse: “Mamãe, eu te amo!” Nesse momento eu tive mais certeza: Essa menina é minha filha, só nasceu na família errada!”
Eu já conhecia seus desejos e já conhecia a fisionomia dela quando tinha feito alguma travessura. Parecia que já nos conhecíamos havia anos e que ela havia saído de mim. Quem tem um filho adotivo sabe muito bem do que estou falando.
Eu sou espírita, mas não vamos entrar nesse mérito porque não é o caso agora, senão o texto fica muito longo.
Passou um ano de convivência, e voltamos ao juiz, que resolveu nos dar a guarda provisória. Afirmo a vocês que não foi fácil. É um processo muito demorado. Audiências eram marcadas, a mãe biológica não aparecia, tinham que publicar intimação em diário da justiça, uma novela sem fim! No meio do processo todo a família resolveu aparecer para impedir que a adotássemos, mas ainda bem que nunca foram na nossa porta, só no Fórum.
Depois de varias audiências, encontros, lágrimas e despedidas, chegou o grande dia: Dezesseis de outubro de 2006. Era a audiência definitiva. Foi dada a sentença declarando que Laura agora era filha de Ana e *João.
Foi o começo de uma nova e feliz vida em família para a pequena Laura e para nós.
Depois disso engravidei... e engravidei de novo. Tenho três filhas lindas e posso garantir que são todas iguais, embora uma delas seja filha do coração e não da barriga.
Amo demais minhas filhas! Elas são tudo de bom na minha vida!
Quando a gente não tem filhos a gente dá a vida pelos nossos pais mas quando a gente tem filhos a vida da gente já não nos pertence.
Quem deseja adotar e tem ainda medo, não adote até que esteja preparado, porque você tem que adotar sem medo de ser feliz. Na época escutamos conselhos de todo jeito até da própria família, falando contrários à adoção, mas ela é minha filha e pronto. Ninguém a tira de mim, Deus me deu outra oportunidade de estar ao lado dela eu sou muito grata a Ele.
Se puder dar um conselho, digo que adotem sim, eduquem com amor, assim vocês terão a consciência tranquila.
Deus abençoe todas as mães de coração. Se hoje temos esses filhos não é por acaso, eles já eram nossos, em outras circunstâncias, mas nossos. "
Ass: Ana
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*Nomes trocados para preservar a criança.