Em outubro de 2013, visitando com meu marido e as Fadas Madrinhas um abrigo, ouvi dele um comentário: "Olha, esse bebê é amiguinho do Augusto!". Ele se referia ao menininho deitado no berço, ao lado de duas outras crianças. Augusto é o nosso sobrinho amado e tem Síndrome de Down.
Assim eu conheci o Gustavo: corpinho frágil, abaixo do peso para seu um ano e meio de vida. Não se sentava, só ficava deitadinho e tinha cor pálida. Mas tinha brilhantes olhos azuis e sorriso encantador e mesmo doentinho distribuía simpatia e receptividade para os visitantes. Eu nem sonhava, mas estava começando a ser testemunha de uma linda história de amor.
Paralelo a isto, recebi uma mensagem vinda de uma ex colega de trabalho, me apresentando Carolina, amiga dela que estava entrando na fila de adoção e queria conversar, dividir experiências, como muitas que estão nesta situação. Entre conversas espaçadas, afinidade e alguma desesperança, eu disse: "Peça uma autorização no Fórum e vá ao abrigo. Quem sabe não sente afinidade com alguma criança que está fora do perfil que você pretende adotar, mas que te encante e esteja disponível para adoção ou com processo em andamento?"
Carolina fez seus contatos e passados uns dias me avisou: "Fomos ao abrigo e nos encantamos pelo Gustavo." Eu fiquei ao mesmo tempo feliz e surpresa, pois ela nunca tinha me dito que tinhas planos de adotar uma criança com Síndrome de Down. Claro, dei a maior força, pois sabia que um bebê nas condições dele não tinha muitos candidatos a pais e depois, não se pode desprezar uma afinidade à primeira vista.
Passado algum tempo visitei de novo o abrigo e encontrei Gustavo bem debilitado. Fiquei preocupada. Liguei no Fórum para a Assistente Social para pedir informações. Fiquei sabendo que ele precisava de uma cirurgia no coraçãozinho e que por conta deste problema tinha estado internado, por isto estava debilitado. Incrivelmente seu sorriso continuava o mesmo. Apesar da idade, pegá-lo no colo dava a sensação de estar pegando um bebê de poucos meses, pois não tinha muitos movimentos e estava abaixo do peso. Mas o azul dos olhos dele trazia esperança...
Encorajei Carolina a buscar informações sobre o processo dele, se ele iria para adoção e se ela poderia levá-lo para passar um fim de semana com ela. Por infelicidade, quando ela foi ao abrigo cheia de inseguranças, foi recebida por uma profissional despreparada, que mesmo sem ter informações processuais disse, em outras palavras, as duas coisas que ela não queria ouvir: a - Gustavo tem mãe. b - Gustavo não tem chances de viver. Carolina e o marido desabaram.
Não sei precisar datas, mas o casal viajou para tentar espairecer. Recebi então um recado vindo do Fórum: Gustavo está em estado gravíssimo na UTI. Acho que nunca chorei tanto por uma criança que conheci no abrigo, chorei por ele estar com risco de morte, chorei principalmente por ele não ter um calorzinho de mãe, e por talvez morrer sem nunca ter sabido o que era amor de mãe. Esse pensamento era recorrente na minha cabeça. Eu ligava todo dia, duas, três vezes, para saber como ele estava. Resolvi avisar Carolina, mesmo achando que poderia estar sendo inconveniente. Ela ficou agradecida e isto ajudou para que ela e o marido rezassem pela saúde do Gustavo.
Dias se passaram e Gustavo na UTI, sem perspectiva, entubado, sem amor de mãe perto, mas contando diariamente com o amor de muitas tias adotivas que torciam e rezavam muito por ele e mesmo sem saber ele já tinha amor do do casal também. Surpreendendo a todos, ele passou de estado gravíssimo para uma leve melhora e na sequência melhorou mais, deixou a UTI e foi para o quarto. Um dia à tarde recebi um telefonema de uma monitora do abrigo. Fiquei gelada, achando que era notícia ruim, pois elas nunca me ligavam, só eu ligava. Mas fiquei super feliz: Gustavo tinha deixado o hospital e estava indo para casa, no caso, o abrigo. Nessa hora tive duas certezas: Que orações com fé tem poder e que Gustavo não tinha sobrevivido em vão, ele tinha que ter uma história boa pela frente.
Carolina e o marido resolveram lutar pelo Gustavo, e ajudados por profissionais diferentes daquela que os atendeu no primeiro dia, conseguiram que ele fosse passar um fim de semana com eles. Apesar do tumulto inicial, pois o futuro filho passou mal, teve que ser internado e apesar de tudo parecer muito difícil, até os familiares mais resistentes à ideia de uma adoção especial na vida de Carolina e o marido ficaram tristes quando Gustavo voltou para o abrigo na segunda feira. Pronto, era um caminho sem volta! Já existia um pai, uma mãe e um filho. E claro: avós, tios, primos e tudo mais que Gustavo tinha perdido pelo caminho ele tinha encontrado naquele fim de semana.
O casal conseguiu ficar com guarda provisória de Gustavo, e a "lua de mel" com o filho foi acompanhar a cirurgia no coraçãozinho que ele tanto precisava desde o nascimento. Mas o remédio principal, aquele que cura mesmo, Gustavo já tinha: o amor do pai e da mãe, que tinham tudo para esperar uma criança que não precisasse de hospitais, mas o escolheram, incondicionalmente.
Pronto, nossa história que estava só no começo já era feliz e bem sucedida.
Nunca mais vi o Gustavo, e acreditem, nunca conheci a mãe dele pessoalmente, só por telefone e mensagens, mas nem foi preciso, pois já me sinto mais próxima dela do que de algumas pessoas que convivo diariamente. É como se eu a conhecesse há anos. Mas vamos nos encontrar ainda e derramar litros de lágrimas de emoção, com certeza. Um dia conheci o papai todo coruja por acaso, na rua. Recebo notícias do Gustavo quase semanalmente, através da mãe. Esses dias ela o flagrou de pé no berço e de acordo com fontes seguras, ele está cada vez mais arteiro.
As fotos que ela me manda pouco lembram aquele menino miúdo que conheci no abrigo, ele está forte, crescido, ganhou cor saudável, mas o sorriso lindo continua o mesmo, a diferença é que, em dois anos de vida, depois de tantas aventuras e internações agora ele está em casa, junto aos seus. E naquela casa já teve Dia das Mães e Dia dos Pais em 2014.
Obrigada, Carolina, por me deixar compartilhar sua história de adoção especial, que acompanhei tão detalhadamente e torci tanto para dar certo. Vocês são um casal privilegiado por terem sido escolhidos por Deus para receber o Gustavo.
Leitores, troquei os nomes para preservar a identidade da família, pois o processo corre em segredo de justiça, bem como também não posso divulgar fotos deles. A foto acima é só ilustrativa.
Este post faz parte da blogagem coletiva "Espalhe Amor no Seu Blog", tema proposto pela Elaine Gaspareto em seu blog, bem aqui. Quando recebi o convite da Elaine, não pensei em história mais linda. Espero que vocês gostem.