Pessoas normais vão a barzinhos para beber, namorar, falar e fazer besteiras ou simplesmente para colocar o cérebro de molho.
No período da faculdade, eu que nunca fui muito normal, aproveitava esses espaços para participar de altas discussões filosóficas, literárias e existenciais. Nessa época as coisas tomam outras perspectivas. Temos um idealismo avassalador que muitas vezes, ainda bem, nos acompanha para o resto de nossas vidas.
Em um cenário desses qualquer, estávamos eu e meu colega/amigo Romes, discutindo, entre outras coisas, educação.
Pois bem: A história contada por ele começa em uma escola pública, sim, daquelas com parede pintada de cor bege já descascando que você imaginou. Eram dois alunos das séries iniciais que colocariam Denis Pimentinha no chinelo. A "tia professora", cansada de tanta travessura, rebeldia e pouco rendimento, chega até a coordenação desesperada e descrente, exigindo posicionamento (punição) para aqueles jovens monstrinhos.
A "tia coordenadora", sem saber o que fazer e depois de tanto convocar a família desses dois alunos para reunião de pais e só receber ausência em resposta, resolveu tomar uma atitude diferente: pegou o seu próprio carro, colocou as crianças dentro e rumou para o contexto das pessoinhas, para entender o que se passava.
É claro que ela já pensava chegar lá "descendo a lenha", teorizando e cobrando explicações de tanta indiferença dos pais na educação dos filhos e etc, e mais etc que ela aprendera tão bem nos cursos que fez.
Acabou-se o asfalto, acabou-se a rua de pedra e acabou-se a rua de vez... atravessou um tipo de periferia/bosque/lixão, e lá estava a casa do primeiro aluno, nessas alturas já quietinho no banco traseiro olhando a paisagem e pensando sabe-se lá o que.
Chegando lá, quem atendeu foi uma velhinha, daquelas de feição marcada e sofrida, que antes de tudo, foi explicando que o menino não tinha pai, nem mãe, e que ela cuidava dele do jeito que dava. Simples assim.
Roupas gastas, móveis e paredes pelas metades. Como pode alguém levantar e viver normalmente no meio de tanta miséria, todo santo dia? - pensou. Ficou calada. Colocou as duas crianças novamente no carro (desistiu de ir na casa da segunda criança), fez todo o caminho de volta pensando na velhinha, nas crianças, nas caixas de papelão usadas como móveis. Odiou os políticos, o sistema e odiou até a si mesma. Sentia-se muito mal por não ter sabido ler antes o que acontecia tão perto dela. Chegou na escola ainda na hora do recreio, deu ordem à merendeira: "Coloca aí dois pratos bem cheios pra esses dois."
Nesses alturas Romes e eu já tínhamos ido às lágrimas. É claro que culpamos a cebola que veio cortada crua por cima da carne.